E o progresso chega a Bonito...
- Lindoberg Campos
- 21 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de ago. de 2020
Por Lindoberg Campos
O progresso chega com sua fome devoradora de tudo que é histórico. O progresso possui uma sanha incontrolável de destruir aquilo que chama de velho para colocar o novo no lugar. Assim é Bonito, a cidade que destrói casarios antigos do século XIX para erguer em seu lugar qualquer obra de alvenaria e porcelanato sem nenhum gosto estético.
E o progresso finalmente chegou aos confins desse pedacinho do céu no recanto do Brasil a que chamamos de Bonito! E como sabemos que o progresso chegou? Muito fácil, a história nos ensina, pelo menos àqueles que são alunos disciplinados. O progresso chega com sua fome devoradora de tudo que é histórico. O progresso possui uma sanha incontrolável de destruir aquilo que chama de velho para colocar o novo no lugar. Assim é Bonito, a cidade que destrói casarios antigos do século XIX para erguer em seu lugar qualquer obra de alvenaria e porcelanato sem nenhum gosto estético.
Mas agora vivemos outro momento de progresso: o asfalto. Sim, o asfalto chegou para tornar plana uma rua esburaca, para pintar de petróleo o cinza dos paralelepípedos irregulares e para passar uma borracha corretiva nas ruas históricas da cidade.
Não quero ser o velho do Restelo. Para quem não conhece, o velho do Restelo é o personagem da obra de Luís de Camões que aparece na praia de Lisboa a advertir para a insanidade que era o processo das grandes navegações. Comumente essa imagem é tida como aquele personagem que se contrapõe a qualquer avanço que surja. No entanto a questão deve ser tomada de ponto de vista diferente. O alerta que existe aqui é um chamado à percepção da responsabilidade que o progresso deve trazer consigo.
Quero apenas dizer que já passou da hora de termos na cidade, que tanto dizemos amar, o mínimo de responsabilidade com sua história e memória dos antepassados que construíram com sangue e suor esse pedacinho de céu. História e progresso podem viver pacificamente lado a lado e podem contribuir ainda mais para o turismo da cidade. Afinal quem quer ver arquitetura fálica e asfalto para todo lado se já convivem cotidianamente com isso nas capitais? O turista que aqui chega – assim como o habitante local – quer sentir a experiência do bucolismo que essa cidade pode oferecer.
O asfalto hoje representa o progresso que quer apagar o passado dos paralelepípedos. Afinal, sempre temos a percepção que o progresso é melhor que o passado. É sabido que o Alto da Matriz até o Alto do Paraguai (atual Biblioteca Pública) – o que inclui a praça de São Sebastião, rua da antiga rodoviária e rua da coluna de São Pedro – constituem o núcleo urbano primitivo de Bonito. Aqui não inclui o Veloso como primeira rua da cidade. Sendo núcleo primitivo de origem da cidade, o espaço do Alto da Matriz até o Alto do Paraguai torna-se espaço de interesse histórico e de memória da cidade. Cobrir de asfalto os paralelepípedos históricos seria como apagar parte da nossa memória histórica em nome da desrazão.
Não se precisa falar do crime cometido pela remodelação da praça de São Sebastião no ano de 2005. Destruiu-se a famosa praça das escadarias, local de encontro de inúmeras gerações e que hoje só sobrevive na memória. É sempre bom quando abrimos o álbum de fotografias e encontramos uma cidade de Bonito ainda a respirar os ares bucólicos interioranos que a fizeram ser conhecida em todo Brasil. As casas que trazem a marca do passado, a praça de São Sebastião com seu ar de interior tão marcante, os prédios públicos que contam história, tudo isso são marcas temporais que precisam sobreviver. Mas para que isso aconteça é preciso ter cuidado com o progresso e fazer dele um instrumento de integração e não de destruição.
O fato é que, se aguardamos ansiosos pelo asfaltamento das ruas, não deixa de ser menos importante preservar nossa história através do já históricos paralelepípedos. Uma cidade toda asfaltada é excelente, mas uma cidade asfaltada que ainda preserva um pequeno pedaço de sua história é melhor ainda. É preciso preservar uma parte desses paralelepípedos como testemunhas de uma época que agora convive com outra. Ou seja, nesse momento estamos de fato fazendo história e marcando fisicamente onde ela se encontra. Resta saber se esse “fazer história” será uma história de preservação e integração ou de destruição que a tudo apaga e consome. Se asfaltamos as ruas no entorno do núcleo primitivo e preservamos os paralelepípedos estamos marcando onde a história se delimita. E isso é importantíssimo para nós enquanto participantes da construção de nossa história.
É preciso ter cuidado, e mais, ter visão. É preciso saber o valor que a história possui na constituição de uma memória coletiva que preserva seu passado como herança a ser protegida e aperfeiçoada. O desafio que se lança é justamente em saber fazer a história. E tem-se agora a possibilidade de fazer história riscando o passado e tratando o progresso como uma máquina que a tudo destrói, ou se faz história marcando os traços do que é o passado importante para nossa memória futura. É salutar saber qual o limite separa o progresso da memória.
Esperemos para ver o que vai acontecer e como a história irá contar esse momento do qual somos testemunhas.

É muito importante abrirmos uma discussão sobre essa evidente destruição da história de nossa cidade. Numa tentativa de fazer o "progresso" saltar aos olhos, soterram de asfalto os caminhos dos antepassados, simplificam com formas quadradas os belos detalhes das construções antigas. E realmente, não da pra esquecer do crime que foi a destruição da antiga praça de São Sebastião, que há anos vinha sendo conservada, passando apenas por pequenas reformas que pouco interferiram na sua estética e lembrança das décadas passadas. Foi muito triste, do dia para a noite ver tudo vir abaixo, e depois de meses ser revelada uma obra até mal planejada e que nada deixou da nossa antiga praça, que durante tanto tempo foi palco e plano…